quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cinco e noventa e oito

É o nome da loja e o preço de todos os seus produtos. Vi por acaso, indo à praia num final de semana desses. Fica no bairro São Conrado, bem na avenida Heráclito Rollemberg, à beira da pista. Apertadinha toda, só deve caber uns dois clientes por vez, senão congestiona. Isso porque os manequins ainda ficam do lado de fora, plantados na calçada.

É uma daquelas lojas onde você entra mais pelo preço que por qualquer outra coisa. Ali não precisa levar algo de que se tenha gostado, basta o que menos não lhe agrade – com um preço desses, sempre tem o que se aproveite.

Era assim que funcionava com as quase extintas R$1,99, que tanto se via no Centro de Aracaju e outras capitais. Era tudo made in China, Taiwan e Hong Kong. Na época até mexeu um pouco com aquela conversinha de que tudo que é barato e falseta vem do Paraguai. Globalizou a piada.

Mas na R$5,98 só tem roupa. Uma cueca está para uma blusa assim como para um short ou calça jeans. No shopping não se tem muito que fazer com R$100 no bolso. Certamente é levar um pouco, escolhido dentre um pouco um pouquinho maior. Na R$5,98 é levar um monte,escolhido dentre tudo que se vê nas araras e prateleiras.

Só não vale é aderir àquela velha campanha antibalinhas e afins. É que a moedinha de hum centavo nem existe mais né. A de dois então, nunca existiu. Se o cliente for chato e exigir o troco, é bronca na certa. Na prática o preço é R$6.

E por que não pôr logo R$6? Primeiro que o cinco é mais atrativo, mas talvez a explicação esteja na concorrência. Distante dali, na rua Nestor Sampaio, já pertinho da avenida Augusto Franco, tem a ‘Ponto 6’. A lógica é a mesminha: loja de roupas com o nome igual ao preço dos produtos. Só que é mais cara.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Seu Nelson

Pouco provável pensar no forró sem se lembrar da sanfona. Está na essência do tradicional trio pé-de-serra: é ela, mais o triângulo e a zabumba. Menos provável ainda é encontrar sanfoneiro em Sergipe que não conheça o seu Nelson. Afinar acordeon por aqui é só com ele e mais uns dois ou três. "O ano todo tenho trabalho", conta. É tanto trabalho que para dar entrevista só se o interessado insistir muito. "É que não posso perder tempo, ainda mais nesse período", justifica.

Já com 66 anos, seu Nelson Pereira Dias sobrevive do que mais gosta de fazer. Desde os 16 sabe afinar sanfonas. Aprendeu com um amigo, ainda em sua terra natal: o município de Traipu, situado na região centro-sul de Alagoas. Antes disso, aos 12, já tocava com o pai. "Ele era sanfoneiro e me ensinou bem cedo", conta. Sem retorno financeiro, o afinador chegou a tentar a vida em São Paulo. Trabalhou numa metalúrgica, até largar tudo e vir para o município de São Cristóvão.

Há pelo menos dez anos seu Nelson mora no bairro Tijuquinha, numa rua que leva o mesmo nome do município, na residência de número 156. Mas é mais fácil encontrá-lo perguntando às pessoas que moram na região do que procurando pelo endereço. Como muita gente o procura, muita gente o conhece. Assim perdeu as contas de quantos instrumentos já afinou. "Aí já vai pra mais de mil", diz.

A humildade se faz presente em cada detalhe da vida do afinador. Está em seus pés descalços, em seu jeito envergonhado de bater um papo, em suas vestes simples, em sua residência inacabada. Lá vive só com a esposa e fiel companheira Maria Domingues Dias, 57 anos, que conheceu ainda "quando morava nas Alagoas".

Seu trabalho é minucioso. Requer muito cuidado e atenção. "Em cada conserto demoro uns três ou quatro dias". Testa todas as notas, faz os ajustes necessários, lixa quando é preciso. Tudo para deixar o instrumento no tom perfeito. No caminho utiliza dois aparelhos bem pequenos. Um chamado ‘afinador'; o outro, ‘diapasão'. O resto ele mesmo improvisa.

Profundo conhecedor da coisa, seu Nelson conta que a maresia é o maior vilão dos acordeons. "Pra quem toca perto do mar, a ferrugem vem logo", lamenta. Para quem fica longe desse perigo, o afinador dá uma garantia de cerca de dois anos. "É o tempo que dura, mais ou menos, até precisar trazer de novo".

Às vésperas dos festejos juninos, a procura cresce e seu Nelson se desdobra para não deixar de afinar uma só sanfona entre as muitas que recebe. Com as festividades se aproximando, sanfoneiros de todo o Estado não pensam duas vezes antes de ir à sua residência.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Licor da Gabriela

Enquanto a Gabriela de Jorge Amado vira filme e ganha o mundo, um certo licor conquista o aracajuano. Feito de cravo e canela, quem prova gosta, e quem gosta recomenda. Assim vira febre por toda a cidade, sobretudo no período junino. O nome não custa a aparecer e vem ‘da boca do povo'. O primeiro a falar ninguém sabe, mas o que ele disse não se esquece: "Traz uma Gabriela!". Ligaram uma coisa à outra e assim nasceu a ilustre bebida.

"Quem batizou foi o povo", diz Carlos Henrique de Oliveira Santana, 58, há um bom tempo conhecido como ‘Henrique da Gabriela'. É ele quem toca adiante a tradição familiar de produzir licores. Tradição que teve início ainda no século XIX. "Começou com meu avô, em 1880, mas ele só fazia para a família ou para dar de presente". Do avô para o pai, do pai para Henrique, que aprendeu a arte ainda menino. "Comecei cedo, ajudando, e hoje mantenho a tradição", conta.

Há várias gerações a família mora no mesmo lugar: rua Rafael de Aguiar, número 375. Uma espécie de residência multifuncional. Lá ele fabrica o ‘Gabriela', mantém um barzinho e ainda um pequeno espaço cultural, onde promove apresentações de grupos folclóricos, saraus poéticos, encontros de repentistas e cordelistas, entre outros eventos. Isso sem falar no Forró da Gabriela, que há 10 anos junta todo esse pessoal numa justa celebração à cultura sergipana.

No hall de entrada as paredes mais parecem extensos murais, repletos de peças que remetem à história da família criadora do famoso licor. De um lado, objetos feitos pelo avô de Henrique, que era ferreiro; de outro, vários certificados de participações em eventos ligados à cultura nordestina; mais no canto, uma coleção de vinis e uma velha radiola. Algumas molduras com recortes de jornais trazendo matérias sobre o Gabriela completam o cenário.

Simpático, receptivo e sempre sorridente, Henrique da Gabriela não cansa de contar sua história. Lembra que iniciou a comercialização do licor no final dos anos 80, quando ficou desempregado. "Aí montei o barzinho e comecei a vender", lembra. Os sabores ainda eram poucos. "No início só tinha de jenipapo e o de cravo e canela". Mas a criatividade do sergipano logo fez a diferença. Hoje são mais de 70 sabores e quatro mil litros de licor produzidos por ano. Alguns preparados em edições especiais, com rótulos de acordo os eventos para os quais foram feitos.

Cada licor tem um tratamento especial, seja no jeito de cortar a fruta ou no tempo de conserva. "A jabuticaba, por exemplo, tem que amassar bastante antes de mergulhar na cachaça. Já a banana não precisa, basta pôr direto para absorver o líquido", explica Henrique. No fundo de sua residência, vários galões guardam o ‘Gabriela', em seus mais variados sabores. As bebidas ficam ali, estocadas, cada uma com a fruta que lhe dá sabor mergulhada na cachaça até a hora de pôr nas garrafas.

Os nomes são curiosos. Vão de ‘viagrinha' a ‘lágrima', passando por ‘xixi das virgens' até chegar ao novo ‘licor da mudança'. Todos, é claro, levam a marca ‘Gabriela'. "A gente cria de acordo com o que vemos no dia-a-dia, nas coisas do nosso povo", revela. E como seu Henrique já viajou todo o país divulgando Sergipe com seu licor, já conhece os costumes de tudo quanto é gente. "No Sul o pessoal tem o hábito de recepcionar as visitas com um licorzinho", conta.

Normalmente dois funcionários auxiliam Henrique na produção. "Agora em junho a procura aumenta, aí vão ser uns quatro". Com a chegada do período junino fica mais fácil encontrar ‘Gabriela' em todos os cantos de Aracaju. Para reconhecer é fácil, nem precisa ler o rótulo. Basta ver um chapeuzinho de palha vestindo a rolha. "A marca da ‘Gabriela' é o chapéu", comenta Henrique, que também não tira seu chapéu pra nada.

Texto produzido para o hotsite do ForróCaju 2009