quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Santa das Correntes

Um breve passeio pela cidade de Penedo (AL) revela um povo historicamente religioso. Lá há mais igrejas que supermercados ou praças. Dentre tantas está a Igreja Nossa Senhora das Correntes. Fica logo numa das portas de entrada do município, à beira do rio São Francisco. Para chegar nela basta descer da balsa, dobrar à esquerda e seguir reto. Não tem erro, vai ‘dar de cara’.

Na fachada paredes com as cores desgastadas, corroídas pelo tempo. Nas formas, à primeira vista nada de incomum. Desenho igual ao de tantas outras: duas torres com dois sinos, janelas alinhadas, um crucifixo ao centro. Mas os estudiosos a consideram uma igreja ‘eclética’. Dizem que reúne três estilos: barroco, neoclássico e rococó.

À direita da porta de acesso uma discreta placa em acrílico traz uma sinopse da história da construção. Teve início em 1720, ficou pronta em 1765. Se não é a mais antiga das redondezas (a catedral do município data do século XVII) ao menos é a mais rodeada de mistérios. A origem do nome é uma incógnita. Nossa Senhora das Correntes nem consta no calendário litúrgico da Igreja. São várias as hipóteses. Três predominam.

A primeira diz que naquele mesmo lugar funcionava um oratório mantido por pescadores. De tempos em tempos, os ‘homens do mar’ viam-se obrigados a conviverem com uma realidade nada agradável: quando a maré subia, a correnteza derrubava o prédio, que tinha que ser refeito. Cansados da situação, que quando menos se esperava tornava a acontecer, eles fizeram uma promessa: caso a correnteza não avançasse mais a ponto de derrubar o oratório, ele levaria o nome da santa.

A segunda é mais simples. Fala que os moradores das adjacências ouviam com freqüência o barulho de correntes ao longo da ladeira situada à direita da igreja – talvez em reflexo do tráfico de escravos que era feito bem ali pertinho, no porto de Penedo.

Já a terceira teoria é a mais contada. Inclusive pela senhora Valdice Ferro Lessa, que hoje sobrevive de recepcionar os turistas que visitam o local. Simpática, risonha, de baixa estatura, deve ter seus quarenta e poucos anos. A nove trabalha no local. Basta dar um passo adentro que ela logo o cumprimenta e começa a contar o que sabe. Sem esquecer uma palavra sequer, conta quantas vezes for necessário.

Segundo ela, a igreja foi construída por uma família portuguesa de sobrenome Lemos. André de Lemos Ribeiro, o patriarca, não suportava ver um escravo acorrentado. Pelo contrário. Abolicionista, o senhor de engenho (estranho né, senhor de engenho abolicionista...) fazia questão de proteger os negros foragidos que iam lhe pedir ajuda. A tática era sempre a mesma: abrigava os fujões em um cubículo localizado à esquerda da imagem de Nossa Senhora das Dores, no interior da igreja.

“É um cantinho bem apertado; cabiam no máximo três escravos. Eles tinham que ficar trancados ali uns dois dias, podendo apenas transitar pelo interior da Igreja durante a noite”, conta Valdice. O prazo era o necessário para que André de Lemos providenciasse cartas de alforria falsificadas e lhes entregasse, livrando-os das correntes de uma vez por todas.

Hoje em dia não são realizadas missas na Nossa Senhora das Correntes – não há nem assentos onde se costuma ver. Aliás, não se sabe nem a última vez em que foi realizado um culto religioso ali. Mantido pela prefeitura, o local virou ponto turístico e patrimônio histórico (tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -IPHAN - em 1964). A última restauração completa aconteceu em 2002, em uma parceria com o Ministério da Cultura.

Além da própria história, muitas curiosidades podem ser constatadas por quem vai à ‘Igreja das Correntes’ – conforme Valdice, em média 50 pessoas a visitam diariamente. Uma delas está ao final do corredor à direita do altar: lá se encontram algumas urnas contendo restos mortais intactos de familiares da família Lemos.

Estive em Penedo e conheci a Igreja Nossa Senhora das Correntes. Foi quando aproveitei para escrever este texto. Cidadezinha um pouco parada (como é comum em municípios do interior), mas bem cuidada. Ruas limpas, prédios históricos conservados e por aí vai. Na oportunidade tive acesso a livros históricos e um guia turístico local. Em todos os casos as capas estampam fotos da Igreja da Santa das Correntes.

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