quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Seu Rosalvo

Numa sexta-feira dessas, com um sol daqueles. Lá estávamos eu e o fotógrafo Silvio Rocha, de cara com a residência do figura. A porta está aberta. “Podem entrar, já estávamos esperando”, diz sua neta. “Mas onde ele está?”, pergunto antes de vê-lo aproximar-se, sem camisa, com a calça pelo avesso. “Mas meu filho, vai ajeitar essa roupa”, reclama a neta. “Deixa assim mesmo que eu tô bonito”, contesta o velhinho, sem dentes, mas sorridente, antes de vestir uma blusa e calçar o chinelo. “Agora bora conversar”.

Na rua Ceroa da Mota, nº 76, bairro 18 do Forte, reside um dos ex-servidores mais ilustres da Prefeitura de Aracaju. Seu nome é Rosalvo Teles de Reis. "Eu sou Rosalvo!", fala sempre, quando menos se espera. Aposentado desde 1976, o senhor de 81 anos de idade não fica uma semana sequer sem ir ao Centro Administrativo. "O pessoal todo gosta de mim. Sou o dono do patrimônio", afirma o aposentado. Mas o que é o patrimônio? "É o prédio: eu sou o dono", brinca.

Nascido no município de Paripiranga, no interior da Bahia, em 1928, seu Rosalvo chegou à capital sergipana com a mãe, ainda pequeno. "Baiano burro nasceu morto", assegura. Em Aracaju, cresceu e construiu uma vida repleta de reviravoltas. Embora não lembre muita coisa, o que lembra conta com convicção. "O estudo é bom, mas o que vale é o conhecimento", é uma de suas frases favoritas.

Antes de ingressar na Prefeitura, Rosalvo já fez de tudo um pouco: foi bombeiro, militar, jogador de futebol e por aí vai. "Sabe quantas partes tem o fuzil? Eu sei!". E ai de quem duvidar. Depois que ingressou no quadro de funcionários do município, em 16 de junho de 1951, fez ainda mais um pouco: entregou correspondência, apreendeu animais, serviu café e até trabalhou como coveiro no cemitério São João Batista. "Comecei na Administração, lá na rua Itaporanga", destaca.

Do período em que foi jogador, o ex-servidor garante carregar na canela a marca de uma dividida de bola com Roberto Dinamite, um dos maiores jogadores da história do Vasco da Gama. "Foi lá na Fonte Nova, eu jogava pelo Sport de Recife", lembra Rosalvo, que à época de servidor era o titular absoluto do time da prefeitura. "Vou abaixar, viu?!", diz antes de agachar-se e simular a posição de um goleiro ao segurar a bola, fazendo questão de mostrar que ainda tem muita disposição e preparo físico.

Apesar de aposentado, o jeitão inquieto de seu Rosalvo e seu apego pela prefeitura não lhe deixam ficar mais em casa do que na rua, como se espera de alguém com sua idade. Pelo contrário, é fácil encontrá-lo visitando secretarias, cumprimentando ex-colegas de trabalho e contando suas histórias à nova geração de servidores. "Se deixar vou todo dia!", ressalta.

E só não vai todo dia porque sua neta não deixa. “Ele não fica quieto. Quer andar pra tudo quanto é canto, sem saber pra onde ir”, revela a moça, preocupada com a saúde do avô, que há alguns anos descobriu sofrer de sérias complicações nos rins. Mas não tem jeito, o velho Rosalvo gosta mesmo é de andar e ver gente. Conversadorzinho que só ele, percorre toda a cidade, seja a pé ou de ônibus. Assim espera chegar aos 100 anos. “Eu tô é novo!”

Foto: Silvio Rocha

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Sobre pedintes e esmolas

Dar esmolas é sempre complicado. Nunca se sabe qual o destino do agrado. Normalmente quando lhe pedem é por uma causa nobre. Tipo aquela do remédio que custa uma fortuna e que se não for consumido em poucos dias o cara não vai durar muito – e o pedinte tem até uma receita pra comprovar o drama. Mas nunca se sabe. O apelo pode ser bom, mas o destino pode ser outro.

E é justamente por isso que dar esmolas não agrada a muita gente. Eu mesmo não gosto. Digo logo que to sem trocado e pronto: problema resolvido. Aliás, essa é a desculpa mais comum. Ninguém vai argumentar que serve o graúdo mesmo ou que troca o dinheiro pra você. Aí também já seria um tiro no pé.

Mas recentemente passei por uma que não teve jeito. O contexto foi altamente desfavorável à minha capacidade de fugir da situação. Aconteceu no terminal de ônibus Leonel Brizola, aqui em Aracaju, onde a passagem custa R$1,95 – se o cidadão está sem o cartão de passe escolar ou o de vale-transporte, é troco na certa.

Por ter pagado com uma nota de R$5, fui premiado com um monte de moedas. Passei pela catraca enquanto tentava depositá-las no bolso. Mas fui interrompido: “Senhor, me dá uma moedinha dessas pelo amor de Deus”. Era o José Ignácio. Que eu ainda nem sabia quem era, mas procurei saber instantes depois de lhe dar parte do meu troco.

Rapaz esperto. Fica ali, sentado num banquinho bem ao lado da bilheteria do terminal. É pegar no troco e dar de cara com ele. Assim fica difícil negar o pedido. O coitado todo sujo, maltrapilho, com um par de muletas no colo e deseja apenas algumas das moedinhas que você tem em mãos. Não tem nem como dizer que não tem. Ele está vendo!

Já que o ônibus não vinha, conversei um pouco com o José. Quis saber se essa abordagem esperta dá certo mesmo ou se eu é que ando muito caridoso. E dá. De troco em troco, diz ele que chega a tirar uma média de R$30 por dia.

Isso quando tem a oportunidade de pedir por ali. É que o ‘ponto’ é de uma mendiga conhecida. “Quem pede aqui é uma amiga minha”, conta seu José. Mas a amiga viajou e cedeu o espaço. “Aí tô aproveitando né”.

Ao que parece ele até já despertou a curiosidade de outros jornalistas. Deu pra notar quando pedi para tirar uma foto. “Pode sim! Uma vez também pediram pra eu deitar ali perto do ônibus pra tirar uma e eu fui”, comentou todo risonho. Só não entendi ainda a utilidade disso.





quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cinco e noventa e oito

É o nome da loja e o preço de todos os seus produtos. Vi por acaso, indo à praia num final de semana desses. Fica no bairro São Conrado, bem na avenida Heráclito Rollemberg, à beira da pista. Apertadinha toda, só deve caber uns dois clientes por vez, senão congestiona. Isso porque os manequins ainda ficam do lado de fora, plantados na calçada.

É uma daquelas lojas onde você entra mais pelo preço que por qualquer outra coisa. Ali não precisa levar algo de que se tenha gostado, basta o que menos não lhe agrade – com um preço desses, sempre tem o que se aproveite.

Era assim que funcionava com as quase extintas R$1,99, que tanto se via no Centro de Aracaju e outras capitais. Era tudo made in China, Taiwan e Hong Kong. Na época até mexeu um pouco com aquela conversinha de que tudo que é barato e falseta vem do Paraguai. Globalizou a piada.

Mas na R$5,98 só tem roupa. Uma cueca está para uma blusa assim como para um short ou calça jeans. No shopping não se tem muito que fazer com R$100 no bolso. Certamente é levar um pouco, escolhido dentre um pouco um pouquinho maior. Na R$5,98 é levar um monte,escolhido dentre tudo que se vê nas araras e prateleiras.

Só não vale é aderir àquela velha campanha antibalinhas e afins. É que a moedinha de hum centavo nem existe mais né. A de dois então, nunca existiu. Se o cliente for chato e exigir o troco, é bronca na certa. Na prática o preço é R$6.

E por que não pôr logo R$6? Primeiro que o cinco é mais atrativo, mas talvez a explicação esteja na concorrência. Distante dali, na rua Nestor Sampaio, já pertinho da avenida Augusto Franco, tem a ‘Ponto 6’. A lógica é a mesminha: loja de roupas com o nome igual ao preço dos produtos. Só que é mais cara.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Seu Nelson

Pouco provável pensar no forró sem se lembrar da sanfona. Está na essência do tradicional trio pé-de-serra: é ela, mais o triângulo e a zabumba. Menos provável ainda é encontrar sanfoneiro em Sergipe que não conheça o seu Nelson. Afinar acordeon por aqui é só com ele e mais uns dois ou três. "O ano todo tenho trabalho", conta. É tanto trabalho que para dar entrevista só se o interessado insistir muito. "É que não posso perder tempo, ainda mais nesse período", justifica.

Já com 66 anos, seu Nelson Pereira Dias sobrevive do que mais gosta de fazer. Desde os 16 sabe afinar sanfonas. Aprendeu com um amigo, ainda em sua terra natal: o município de Traipu, situado na região centro-sul de Alagoas. Antes disso, aos 12, já tocava com o pai. "Ele era sanfoneiro e me ensinou bem cedo", conta. Sem retorno financeiro, o afinador chegou a tentar a vida em São Paulo. Trabalhou numa metalúrgica, até largar tudo e vir para o município de São Cristóvão.

Há pelo menos dez anos seu Nelson mora no bairro Tijuquinha, numa rua que leva o mesmo nome do município, na residência de número 156. Mas é mais fácil encontrá-lo perguntando às pessoas que moram na região do que procurando pelo endereço. Como muita gente o procura, muita gente o conhece. Assim perdeu as contas de quantos instrumentos já afinou. "Aí já vai pra mais de mil", diz.

A humildade se faz presente em cada detalhe da vida do afinador. Está em seus pés descalços, em seu jeito envergonhado de bater um papo, em suas vestes simples, em sua residência inacabada. Lá vive só com a esposa e fiel companheira Maria Domingues Dias, 57 anos, que conheceu ainda "quando morava nas Alagoas".

Seu trabalho é minucioso. Requer muito cuidado e atenção. "Em cada conserto demoro uns três ou quatro dias". Testa todas as notas, faz os ajustes necessários, lixa quando é preciso. Tudo para deixar o instrumento no tom perfeito. No caminho utiliza dois aparelhos bem pequenos. Um chamado ‘afinador'; o outro, ‘diapasão'. O resto ele mesmo improvisa.

Profundo conhecedor da coisa, seu Nelson conta que a maresia é o maior vilão dos acordeons. "Pra quem toca perto do mar, a ferrugem vem logo", lamenta. Para quem fica longe desse perigo, o afinador dá uma garantia de cerca de dois anos. "É o tempo que dura, mais ou menos, até precisar trazer de novo".

Às vésperas dos festejos juninos, a procura cresce e seu Nelson se desdobra para não deixar de afinar uma só sanfona entre as muitas que recebe. Com as festividades se aproximando, sanfoneiros de todo o Estado não pensam duas vezes antes de ir à sua residência.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Licor da Gabriela

Enquanto a Gabriela de Jorge Amado vira filme e ganha o mundo, um certo licor conquista o aracajuano. Feito de cravo e canela, quem prova gosta, e quem gosta recomenda. Assim vira febre por toda a cidade, sobretudo no período junino. O nome não custa a aparecer e vem ‘da boca do povo'. O primeiro a falar ninguém sabe, mas o que ele disse não se esquece: "Traz uma Gabriela!". Ligaram uma coisa à outra e assim nasceu a ilustre bebida.

"Quem batizou foi o povo", diz Carlos Henrique de Oliveira Santana, 58, há um bom tempo conhecido como ‘Henrique da Gabriela'. É ele quem toca adiante a tradição familiar de produzir licores. Tradição que teve início ainda no século XIX. "Começou com meu avô, em 1880, mas ele só fazia para a família ou para dar de presente". Do avô para o pai, do pai para Henrique, que aprendeu a arte ainda menino. "Comecei cedo, ajudando, e hoje mantenho a tradição", conta.

Há várias gerações a família mora no mesmo lugar: rua Rafael de Aguiar, número 375. Uma espécie de residência multifuncional. Lá ele fabrica o ‘Gabriela', mantém um barzinho e ainda um pequeno espaço cultural, onde promove apresentações de grupos folclóricos, saraus poéticos, encontros de repentistas e cordelistas, entre outros eventos. Isso sem falar no Forró da Gabriela, que há 10 anos junta todo esse pessoal numa justa celebração à cultura sergipana.

No hall de entrada as paredes mais parecem extensos murais, repletos de peças que remetem à história da família criadora do famoso licor. De um lado, objetos feitos pelo avô de Henrique, que era ferreiro; de outro, vários certificados de participações em eventos ligados à cultura nordestina; mais no canto, uma coleção de vinis e uma velha radiola. Algumas molduras com recortes de jornais trazendo matérias sobre o Gabriela completam o cenário.

Simpático, receptivo e sempre sorridente, Henrique da Gabriela não cansa de contar sua história. Lembra que iniciou a comercialização do licor no final dos anos 80, quando ficou desempregado. "Aí montei o barzinho e comecei a vender", lembra. Os sabores ainda eram poucos. "No início só tinha de jenipapo e o de cravo e canela". Mas a criatividade do sergipano logo fez a diferença. Hoje são mais de 70 sabores e quatro mil litros de licor produzidos por ano. Alguns preparados em edições especiais, com rótulos de acordo os eventos para os quais foram feitos.

Cada licor tem um tratamento especial, seja no jeito de cortar a fruta ou no tempo de conserva. "A jabuticaba, por exemplo, tem que amassar bastante antes de mergulhar na cachaça. Já a banana não precisa, basta pôr direto para absorver o líquido", explica Henrique. No fundo de sua residência, vários galões guardam o ‘Gabriela', em seus mais variados sabores. As bebidas ficam ali, estocadas, cada uma com a fruta que lhe dá sabor mergulhada na cachaça até a hora de pôr nas garrafas.

Os nomes são curiosos. Vão de ‘viagrinha' a ‘lágrima', passando por ‘xixi das virgens' até chegar ao novo ‘licor da mudança'. Todos, é claro, levam a marca ‘Gabriela'. "A gente cria de acordo com o que vemos no dia-a-dia, nas coisas do nosso povo", revela. E como seu Henrique já viajou todo o país divulgando Sergipe com seu licor, já conhece os costumes de tudo quanto é gente. "No Sul o pessoal tem o hábito de recepcionar as visitas com um licorzinho", conta.

Normalmente dois funcionários auxiliam Henrique na produção. "Agora em junho a procura aumenta, aí vão ser uns quatro". Com a chegada do período junino fica mais fácil encontrar ‘Gabriela' em todos os cantos de Aracaju. Para reconhecer é fácil, nem precisa ler o rótulo. Basta ver um chapeuzinho de palha vestindo a rolha. "A marca da ‘Gabriela' é o chapéu", comenta Henrique, que também não tira seu chapéu pra nada.

Texto produzido para o hotsite do ForróCaju 2009

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Beco das Calçolas

A pauta foi na travessa Dom João I, bem mais conhecida como 'Beco das Calçolas'. Fica no bairro Getimana, aqui mesmo em Aracaju.

Como já era de se esperar, o nome surgiu de uma historinha esquisita. O tal do beco é bem num morro. Daqueles que quando chove é um ‘Deus nos acuda’. Há algum tempo, estando nele e olhando para cima, o cidadão logo via os quintais de várias casas. Todas sem cercas ou qualquer outra coisa que preservasse a privacidade dos moradores.

Nesses quintais era comum ver as mulheres das casas desfilarem suas peças íntimas à vontade, certas de que estavam longe dos olhares alheios. Pobres coitadas, mal sabiam que lá embaixo sempre tinha um malandro pensando (ou fazendo) besteira.

Aí a fama pegou. Um tempinho livre e a macharada já ia ao beco ver as ‘muié’ de ‘caçola’.

Hoje nem dá mais. É que as casas estão muradas. Ao menos algumas delas. As outras não agüentaram o pau d’água, escorregaram na ladeira e caíram bem no beco. Foi o que me levou até a região. Fui ouvir o drama dos calçolenses, que tanto sofrem em tempos de chuva.

No bequinho mora uma gente humilde, sofrida, que não teve muita oportunidade na vida. Alguns debandaram para onde não se deve: foram vender drogas, roubar ou até matar. Por isso às vezes vemos na TV ou nos impressos algumas notícias que citam o local. Normalmente é bandido se escondendo ou casa derrapando.

E em todos os casos ficava a dúvida com relação ao porquê da calçola. Agora ta explicado.


Foto: Alejandro Zambrana

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Pra quem gosta de apostar

Itabaiana é uma terra de grande valor para o estado de Sergipe mais conhecida pelo seu comércio pujante e pela grande quantidade de caminhoneiros e seus respectivos caminhões. Está seguramente entre os três mais importantes municípios do interior, seja por sua economia, quantidade de habitantes ou consumo de cebolas.

Mas algo talvez não tão falado (ou vai ver eu que ando desinformado) sobre esta querida cidade, está na criatividade de seu povo quando o assunto é ‘apostas’.

Se você é um cara de sorte, mora nos cafundó do brejo e quer subir na vida, ter boas condições financeiras e desfrutar de um monte de coisas caras, dá uma passada em Itabaiana. ‘Qui mané’ tentar a sorte na cidade grande! Enfiar a cara nos livros, dá um duro danado e no final das contas correr um sério risco de ficar desempregado?! Faz isso não. Vai pra Itabaiana que o negócio anda mais rápido.

Deixa-me discorrer sobre o assunto. Lá, onde quer que você vá, vai ter alguém apostando em algo. E num estou falando em loteria nem jogo do bicho não. Claro que tem também, mas esses se vê em todo lugar. Em Itacity a onda é apostar diferente.

E variedade é o que não falta. Num barzinho com som 'ao vivo', o cantor faz seu show quando de repente já tem um gritando: “Ganhei! Ganhei!”. O birita reuniu-se com os colegas de mesa e cada um escolheu uma música. Como a dele saiu primeiro, ganhou. Pior é pro cantor: tem que mudar ao menos a ordem das músicas a cada apresentação.

Se a pedida é um jogo de futebol, é de se imaginar que as apostas vão estar entre três opções: no que vai ganhar, no que vai perder ou no empate. Em Itabaiana não. As apostas são as mais improváveis e inimagináveis. Ali é mais interessante depositar a sorte em quem vai sofrer a primeira falta ou em quem vai cabecear a cobrança de escanteio. Desse jeito aumentam o prêmio e as opções de aposta.

Há casos e mais casos. Bingo, por exemplo, tem em todo boteco. É até mais fácil não ter cerveja. Outro caso bastante comum acontece sempre no Centro da cidade. Na falta de clientes, alguns funcionários em frente a alguma loja batem um papinho sobre algum assunto enquanto não param de olhar para a esquina mais próxima. Se você é de fora num vai entender é nada. Agora se você é da terra já deduz ‘de cara’: a aposta é na cor do primeiro carro que aparecer!


A gente vai escrever sobre determinado tema, aí resolve inteirar-se sobre, e às vezes vê cada coisa... Ao que parece não há um senso comum sobre a origem do nome Itabaiana. Também não me interessa chegar a esse ponto. Mas uma das teorias é bem curiosa. Engraçada até.

Na época da colonização, tinha uma índiazinha toda jeitosa chamada Ita. Ita era baiana, mas fez sucesso mesmo foi naquela terrinha sem nome. Tão sem nome que inventaram de homenagear a forasteira.

Ita já gostava de remexer as cadeiras. E os marmanjos já gostavam de ver a cena. Reza a lenda que era um fuzuê danado. Era tanto que quando Ita começava a dançar só se ouvia o clamor popular: "Ita, a baiana!" "Ita, a baiana!" Só não sei se apostavam na dancinha da vez.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Uma de Silvio Rocha

O fotógrafo Silvio Rocha é a alegria das tardes na redação. Pra tudo tem uma piada. Se não tem, improvisa. Às vezes nem é piada, mas do jeito que ele conta todo mundo ri. Rir e fazer rir são com ele mesmo.

Quando chega já é mostrando os dentes. Blusa de botão, calça jeans, sapato social, o visual é basicamente igual. Estatura elevada, passadas largas. “É uma luta”, diz logo que chega. Logo que sai também; quando fala com alguém de passagem; quando atende uma ligação... “É uma luta” pra tudo que é lado. Não há como ouvir isso e não lembrar dele.

Silvio é cantor também. E dos bons. Tem CD gravado, ta sempre fazendo show, foi até personagem de um especial de TV sobre artistas locais. Mais do que justo, afinal é um ferrenho defensor dos sons da terra. Grupo local gravando em inglês? Pergunta o que ele acha disso. Vira e mexe Silvio ainda arruma tempo pra compor. De vez em quando até concilia as coisas: é tirando foto e compondo e cantando.

Mas vamos ao que motivou o texto. Dia desses Silvio passou por uma que ele não vai esquecer tão cedo – e olha que a memória não é seu forte. Na verdade mais uma entre tantas outras nessa vida muito bem vivida. A diferença é que eu tava perto e vi – e ouvi também.

Há dias seu carro estava sujo. Queria lavar, mas não encontrava tempo. Há dias pensava numa alternativa. Eis que na redação um certo funcionário aparece com a solução: “leva lá no meu postinho”. O cara agora é ‘pequenomicroempresário’. Dono de postinho de lavagem. Tem até um nome bonitinho ó: “Autobrilho”.

Mas a encomenda saiu melhor que a pedida. “Pra colega de trabalho tem desconto: é R$20, mas eu faço por R$10 e ainda levo o carro”. Pronto, ta resolvido o problema. “O pessoal é bom: tudo lavador de primeira. Os produtos são tudo de primeira também”, diz – na verdade até a lavagem seria a primeira.

“Vixe Silvio, dezinho só! Se deu bem”, comento com ele. “Ei rapaz, dezão. Valoriza aí”, responde logo todo risonho. To dizendo que o cara tem piada pra tudo.

As horas passam no trabalho. Tranqüilo Silvio aguarda seu já cansado Peugeot 206 vermelho ano 2000 vir todo limpinho. É só lembrar que chega dá vontade de sair. “Ah, hoje tenho que arrumar um lugar pra ir”. Nem imaginava o que estava por vir.

Eis que o celular toca. “Rapaz, lascou tudo: o carro num quer ligar mais não”. Alguém direto do Autobrilho. “Já tentei de tudo aqui e num tem jeito”.

Silvio Rocha inverte a feição. Joga fora o sorriso e fica todo perdido. É hora de raciocinar. Tentar deduzir o que se passa. E tome-lhe achismo. “Acho que molharam onde não se deve e algo pifou”. Na redação alguém dá a dica: “se queimar de segunda acho que pega Silvio”.

Pega nada. Coitado de Silvio: de uma pechincha, caiu numa bronca das brabas. Conversa vai, conversa vem (pulando um monte de parte sem graça), só um técnico encontra a solução: queimou uma peça que não tem em canto nenhum. E o pior é que pra encomendar é quase o preço do carro.

E aí? E aí que se fosse com qualquer outro o mundo tava acabado. Mas o homem é popular. Aí a história é outra. Não sei lá como, o filho de Deus descobre que em um povoado próximo a Umbaúba – uma cidadezinha a 100 quilômetros da capital conhecida sobretudo por ser a segunda a ser encontrada quando se entra no estado de Sergipe pelo sul, ufa! – tem um senhor que tem a peça!

Silvio vai buscar e problema resolvido. Não sem uma despesinha de leve. Negociou, pechinchou, parcelou e taí o carro andando. Só não tinha mais (ou mais uma vez) onde ser lavado.

Mas logo Silvio encontra uma alternativa. Também em conta, mas de qualidade, no mínimo, questionável. Em frente à Prefeitura – seu ambiente de trabalho – um figura aproveita os carros estacionados e dá um jeitinho ali mesmo. Silvio já sabia disso, mas num dava muita bola. É que o sujeito usa apenas um balde de água para cada carro. Pode ta sujo como for, o bicho faz milagres.

O preço? Bem, começou cobrando R$5. Mas aí lá vem Silvio inventar de virar cliente e começar a divulgar. Logo ele, que conhece gente em tudo que é canto – coisa de artista né. Como se não bastasse ainda inventa um nome: ‘Baixobrilho’, em homenagem, é claro, à sua última experiência com postos de lavagem. Então: agora o carinha não faz por menos de R$7. Seu cliente número um? Silvio Rocha. Toda sexta-feira à tarde o Peugeot ta lá. É só passar e ver.

domingo, 19 de abril de 2009

Ia, mas não foi

“Vai pra onde?” Pergunta comum em se tratando de feriados. É Carnaval, Semana Santa, Reveillon. Basta uma data dessa se aproximar que já começa logo a falação. Todos querem saber para onde o outro vai. Normalmente é curiosidade mesmo. Ou pra puxar assunto. Praticamente um ato reflexo. É mais ou menos como ver uma mulher grávida e perguntar: “Ta de quantos meses?”

A resposta é o de menos. Muitas vezes nem importa. Ainda assim a dúvida é uma constante. Acontece sempre. Quem nunca foi questionado a respeito? Quem nunca fez uma pergunta do tipo?

Mas todo feriado é a mesma coisa. Depois da pergunta, vem logo alguém e diz que ‘ia’ pra algum lugar. “Rapaz, eu ‘ia’ pro Rio, mas nem vai dar”. Olinda, Salvador, Cabrobó, Quixadá, o que for. O que interessa é que o cara ‘ia’, mas não foi!

Na prática é a mesma situação de quem ‘não ia’. Também não viajou, não saiu de casa. Ficou na vontade. Não vai tirar fotos, nem ter história pra contar. Vai é dormir cedo, matar o tempo na Internet, torcer pras horas passarem voando.

Ah, mas não é bem assim. Ele ‘ia’! Tem um certo status nisso aí. Dá pra ver nas reações. “Porra, você ia mesmo?!”. Por mais que o sujeito não tenha ido, parece até que foi. Ganha uma moralzinha.

Tem gente que se aproveita. Feriadão chegando, especulações a mil e ele depende de uma carona nada provável. O carro ta cheio, mas tem um lá no bolo que ta na dúvida. Pronto, o cenário perfeito. O esperto já vai dizer que vai, pra depois dizer que ‘ia’.

A cada feriado ele ‘ia’ pra um lugar diferente. Em todos ficou em casa, mas antes ‘ia’. Quando foi, foi a um lugar que não vale nem comentar.

O efeito ‘ia’ é comum também para festas, shows, grandes eventos. Se às vésperas todos vão, no dia seguinte muitos ‘iam’. Colocam-se num meio termo, entre os que foram e os que nem cogitavam ir.

Foi justamente numa dessas que atentei para a questão. Ao ouvir uma música de Lulu Santos um amigo se recorda que certa feita 'ia' para um de seus shows. Juntou uma turma, separou a grana, começou a beber dois dias antes. Quando é chegada a hora, o show foi cancelado.

Como até hoje não teve outra oportunidade, só lhe resta dizer que ‘ia’ – mas não foi.

domingo, 8 de março de 2009

Ronaldo voltou

Como bom palmeirense não poderia perder o clássico de hoje. Para efeito de campeonato nem valia muita coisa – mesmo perdendo continuaríamos líderes. Mas clássico é clássico. Ainda mais um Palmeiras e Corinthians. Ainda mais um ano e seis dias após o último confronto. Ainda mais com a expectativa para mais um retorno de Ronaldo.

Agora esqueçam os outros fatores e foquem nesse último. É o que todos estão fazendo. Só se fala nisso: ‘o Fenômeno voltou’. Na verdade voltou mesmo no meio de semana passado, num desses jogos ‘Davi versus Golias’, comuns na Copa do Brasil. Só que não fez muita coisa. Mas hoje ele fez. E como sempre fazia, voltou hoje.

Jogou meia horinha. No primeiro lance, um chutaço no travessão. Na diagonal, de longe. Quase gol. No segundo, deixa o marcador para trás e cruza, certeiro: outro lá cabeceia e quase gol de novo. No terceiro, cabeçada e gol. E olha que o cara é ruim ‘de cabeça’. Toda vida foi seu calcanhar de Aquiles. Ele mesmo reconhece.

Enfim, foi uma festa só. Comemoração de título. Saiu correndo, pulou uma placa, correu mais um pouquinho, subiu no alambrado, abraçou a galera, quebrou o alambrado, desceu ofegante.

É estranho. Sua fisionomia lembra a do típico coroa peladeiro. Aquele que todo final de semana joga uma bolinha com os amigos pensando na cerveja do ‘pós-baba’. Cada passada é uma tortura. Uns 50 metros de corrida e parece que vai ter um infarto. Parece que está na altitude de La Paz.

Ainda assim Ronaldo é diferenciado. Não tem como negar. Provou isso mais uma vez. Se não tem mais a mesma velocidade, ganha no porte físico. Vai trombando e levando. Ninguém segura.

Muita gente nem ‘botava fé’. Talvez só os corintianos e seus familiares botassem. Eu mesmo achava que não daria certo. ‘Puro marketing’, pensava. Não penso mais.


Foto: Robson Fernandjes/AE

Agradecimentos

Quatro anos se passaram. O Jornalismo: ontem uma incógnita, hoje uma paixão. As idas à UFS, as provas, fichamentos e resenhas, as caminhadas pelas Didáticas, os diálogos nas pracinhas, os lanches nos intervalos, esses já se foram, ficam na lembrança. Os momentos de lazer, as amizades formadas, os encontros com a turma, os conhecimentos adquiridos, esses permanecem. À frente, uma carreira, novos desafios. Quatro anos se passaram. Muito tempo, muitas pessoas. Algumas, sempre importantes. Outras, se tornaram. Poucas deixaram de ser. Citar todas, impossível. Selecionar sem ser injusto: eis o desafio.

Começo por minha família, meu alicerce. Meu pai, Astrolábio, espelho de vida, grande amigo, companheiro para todas as horas; minha mãe Márcia, mulher dedicada, mãe de verdade; meu irmão Alando, parceiro sempre, amigo inseparável desde que vim ao mundo; minha irmã Mirlanne e seu carinho tão implícito quão notável. Meus tios-padrinhos Paulo e Jussara, segundos pai e mãe; meu primo Franço, primo e irmão. Meus avôs Adauto e Manoel, que partiram deste mundo com honra e honestidade, mas não sem antes se tornarem grandes exemplos para as gerações que os sucedem; minhas avós Maria e Terezinha, senhoras de respeito e ética que admiro muito. Meus demais tios e primos dos quais tanto gosto. Muito obrigado pela atenção dispensada. Para mim vocês sempre estarão acima de tudo.

Amigos verdadeiros, de longa data e sempre presentes: desses tenho vários. Destaco Bruno, Brenno e Dudu, três dos quais sei que jamais deixariam de vibrar com minhas conquistas ou lamentar meus tropeços. Ao longo do curso também convivi com colegas valiosos, como Carlos, Díjna e Allan Nascimento, pessoas fundamentais para que este momento tenha chegado. Não poderia deixar de citar o professor Josenildo Guerra, pela compreensão e auxílio nas horas que mais precisei e meu colega de trabalho Allan de Carvalho, parceiro no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Por fim agradeço a todos que compõem a Secretaria de Comunicação (Secom) da Prefeitura de Aracaju: uma escola onde aprendi muito sobre o Jornalismo, sua prática, sua rotina e tudo que lhe diz respeito. Quem ali está ou por lá já passou bem sabe o quanto significa para mim. Sou por demais grato a essa turma. Independente de onde o destino nos levar, quero vocês ao meu lado sempre.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

A bandeira da Líbia

Pra ‘passar de ano’ em Geografia o guri tem decorar um monte de coisa. É nome de país, capital de estado, estação do ano e por aí vai. É tanta ‘decoreba’ que às vezes o moleque se empolga e sai gravando mais que a encomenda.

Numa dessas inventa de memorizar tudo que é bandeira. Começa pelo ‘feijão com arroz’, as que a turma toda já sabe. Depois quer alçar vôos mais altos. Quanto mais longe e desconhecido o país, melhor de saber. Mais fácil de impressionar os colegas.

Há anos e anos eu gostava de conhecer as bandeiras. E essa ladainha toda me faz lembrar uma em especial: a da Líbia.

É a mais fácil de todas, não tem como errar. Você bate o olho e pronto: conhecimento adquirido. Difícil mesmo é dificultar o jeito de descrevê-la. Mas vamos lá: pode-se dizer que ela é verde, com detalhes em verde e com inscrições verdes. É, ela é toda verde.

Para os rebuscados um “estandarte monocromático verde”. Para os piadistas uma forma de as crianças libanesas memorizarem facilmente.

O fato é que relembrar a bandeira da Líbia me despertou a curiosidade sobre sua origem. Nada que o Google não resolva - ao menos assim eu pensava. Faço uma busca rápida e impaciente e nada de encontrar a solução. Não a definitiva, ainda. No contexto deve haver indícios.

Foi adotada em 1977, após a revolução do coronel Muammar Kadhafi. Um cara aí que deu um golpe, derrubou o rei e abraçou a causa do socialismo. Aí estatizou tudo. Quem era de fora e estava lá ele mandou pra casa. Fez todo tipo de revolução: cultural, social, econômica.

Quando não tinha mais o que fazer foi enjoar os Estados Unidos. Resultado: ficaram de mal um tempão. Só ano passado que fizeram as pazes de vez. E Kadhafi esse tempo todo por lá. E a bandeira até hoje é sem graça.

Sim, e o significado, onde é que ta mesmo? Sei lá, vai ver tem a ver.

Mas também li um pouco sobre outros aspectos. O país fica no norte da África. Seus vizinhos mais ilustres são o Mar Mediterrâneo (ao norte) e o Egito (a leste). O idioma é o árabe, quase todo mundo é muçulmano e praticamente não tem florestas – quem achava que era mamada se deu mal.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Joop Adam

Esses dias conheci um gringo quase meu xará - com esse ‘agá’ e acento no ‘á’ ta meio difícil achar um xará 100%. Joop Adam, o nome do figura. Velejador sul-africano, ancorou sua embarcação à beira do rio Sergipe, ao lado do Iate Clube de Aracaju.

Chegou na noite da última quarta-feira, dia 25, com a mulher e o filho. Estava em Salvador. Participou da ‘Cape to Bahia’, uma competição naval realizada a cada quatro anos. A regata tem início na Cidade do Cabo (Cape Town), na África do Sul, e chegada na capital baiana – daí o nome.

Já meu trajeto partiu de um boato. Na quinta-feira ventilaram na redação algo sobre um velejador que iria percorrer a costa brasileira e acabara de chegar por aqui. É, Aracaju é mesmo uma capital com jeitão de interior. O cara chega à noite e no dia seguinte já tem gente lá 'enchendo o saco'.

Recebi a ‘missão’ e fui ao seu encontro (sem que ele soubesse) com alguns amigos do trabalho. A idéia era ver o que o ilustre visitante estava achando de nossa cidade. Chegamos e nada do homem. “Está no ‘barco’”, alguém diz.

Joop deixa sua embarcação a uns 50 metros da ‘terra’. Boa parte do dia fica por lá. Mas falar com ele não é difícil. Um aceno de longe e ele vem. Tem uma espécie de caiaque que utiliza para ir do veleiro até o solo. Cabe ele e mais um.

Hospitaleiro, logo convida a todos para visitarem seu lar. Nem conhece nosso idioma, então fala e gesticula ao mesmo tempo. Loiro de olhos claros, jeitão observador, sempre atento, quem vê logo nota que não é daqui. Pele avermelhada, barba por fazer: sinais de quem vive no mar.

Sem maiores problemas responde às perguntas. Conta sobre sua aventura.

Terminada a corrida, decidiu conhecer o litoral brasileiro. A princípio não pensava em seguir viagem, mas a paixão pelo mar falou mais alto. Sobre a capital de Sergipe nunca ouviu falar. Ficou mesmo pela tranqüilidade. “Aqui não tem muita gente velejando”, comenta.

A princípio um lugar desconhecido, hoje uma grata surpresa. “A cidade é muito bonita e limpa”, ressalta o visitante, que já fez um breve passeio pelas ruas do município.

Em seu primeiro dia em solo aracajuano, Joop tomou um ônibus coletivo em direção a um dos shoppings centers da cidade. A dificuldade do idioma não serviu de empecilho. Sozinho foi e retornou. No caminho viu um pouco mais da cidade e de seu povo. “As pessoas aqui são bem amigáveis e prestativas”, destaca.

O sul-africano afirma conhecer diversos países da Europa e Ásia. Por aqui pretende ficar mais uns dias e conhecer melhor os atrativos da cidade. “Fico mais umas quatro ou cinco noites”, comenta.

Da capital de Sergipe Joop parte para a capital de Pernambuco, antes de seguir viagem por toda a América do Sul, depois Central e assim por diante. Seu objetivo não é nada modesto: quer dar a volta ao mundo. Até o momento diz ter percorrido 12mil milhas – algo em torno de 19mil quilômetros.


Fotos: Silvio Rocha

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Santa das Correntes

Um breve passeio pela cidade de Penedo (AL) revela um povo historicamente religioso. Lá há mais igrejas que supermercados ou praças. Dentre tantas está a Igreja Nossa Senhora das Correntes. Fica logo numa das portas de entrada do município, à beira do rio São Francisco. Para chegar nela basta descer da balsa, dobrar à esquerda e seguir reto. Não tem erro, vai ‘dar de cara’.

Na fachada paredes com as cores desgastadas, corroídas pelo tempo. Nas formas, à primeira vista nada de incomum. Desenho igual ao de tantas outras: duas torres com dois sinos, janelas alinhadas, um crucifixo ao centro. Mas os estudiosos a consideram uma igreja ‘eclética’. Dizem que reúne três estilos: barroco, neoclássico e rococó.

À direita da porta de acesso uma discreta placa em acrílico traz uma sinopse da história da construção. Teve início em 1720, ficou pronta em 1765. Se não é a mais antiga das redondezas (a catedral do município data do século XVII) ao menos é a mais rodeada de mistérios. A origem do nome é uma incógnita. Nossa Senhora das Correntes nem consta no calendário litúrgico da Igreja. São várias as hipóteses. Três predominam.

A primeira diz que naquele mesmo lugar funcionava um oratório mantido por pescadores. De tempos em tempos, os ‘homens do mar’ viam-se obrigados a conviverem com uma realidade nada agradável: quando a maré subia, a correnteza derrubava o prédio, que tinha que ser refeito. Cansados da situação, que quando menos se esperava tornava a acontecer, eles fizeram uma promessa: caso a correnteza não avançasse mais a ponto de derrubar o oratório, ele levaria o nome da santa.

A segunda é mais simples. Fala que os moradores das adjacências ouviam com freqüência o barulho de correntes ao longo da ladeira situada à direita da igreja – talvez em reflexo do tráfico de escravos que era feito bem ali pertinho, no porto de Penedo.

Já a terceira teoria é a mais contada. Inclusive pela senhora Valdice Ferro Lessa, que hoje sobrevive de recepcionar os turistas que visitam o local. Simpática, risonha, de baixa estatura, deve ter seus quarenta e poucos anos. A nove trabalha no local. Basta dar um passo adentro que ela logo o cumprimenta e começa a contar o que sabe. Sem esquecer uma palavra sequer, conta quantas vezes for necessário.

Segundo ela, a igreja foi construída por uma família portuguesa de sobrenome Lemos. André de Lemos Ribeiro, o patriarca, não suportava ver um escravo acorrentado. Pelo contrário. Abolicionista, o senhor de engenho (estranho né, senhor de engenho abolicionista...) fazia questão de proteger os negros foragidos que iam lhe pedir ajuda. A tática era sempre a mesma: abrigava os fujões em um cubículo localizado à esquerda da imagem de Nossa Senhora das Dores, no interior da igreja.

“É um cantinho bem apertado; cabiam no máximo três escravos. Eles tinham que ficar trancados ali uns dois dias, podendo apenas transitar pelo interior da Igreja durante a noite”, conta Valdice. O prazo era o necessário para que André de Lemos providenciasse cartas de alforria falsificadas e lhes entregasse, livrando-os das correntes de uma vez por todas.

Hoje em dia não são realizadas missas na Nossa Senhora das Correntes – não há nem assentos onde se costuma ver. Aliás, não se sabe nem a última vez em que foi realizado um culto religioso ali. Mantido pela prefeitura, o local virou ponto turístico e patrimônio histórico (tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -IPHAN - em 1964). A última restauração completa aconteceu em 2002, em uma parceria com o Ministério da Cultura.

Além da própria história, muitas curiosidades podem ser constatadas por quem vai à ‘Igreja das Correntes’ – conforme Valdice, em média 50 pessoas a visitam diariamente. Uma delas está ao final do corredor à direita do altar: lá se encontram algumas urnas contendo restos mortais intactos de familiares da família Lemos.

Estive em Penedo e conheci a Igreja Nossa Senhora das Correntes. Foi quando aproveitei para escrever este texto. Cidadezinha um pouco parada (como é comum em municípios do interior), mas bem cuidada. Ruas limpas, prédios históricos conservados e por aí vai. Na oportunidade tive acesso a livros históricos e um guia turístico local. Em todos os casos as capas estampam fotos da Igreja da Santa das Correntes.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O enfermeiro, o ‘doutô’ e o acidente

Ao final vai parecer piada, mas o causo é verídico. No dia não foi bem assim, mas foi parecido. É que esse tipo de história a gente escuta e já conta de outra forma. Não de propósito, mas sempre passa um detalhezinho a mais ou a menos. E olha que o rapaz que me contou já ouviu de um outro, que por sua vez soube por um amigo do primo de seu vizinho. E cá entre nós, esse amigo num é muito certo das idéias não. De qualquer forma aconteceu, dizem.

A primeira parte tem início num boteco no centro histórico de Salvador. Lá está o ‘doutor médico’ Julio Dias, o Julião. Sessentão, cabeleira farta, físico cansado, saúde decadente. Mas disposição e bom humor não lhe faltam. Se está com os amigos ‘tomando uma’ então, é risadaria pra todo lado. Conceituado, carrega no currículo mais de trinta anos de medicina, centenas de vidas salvas, milhares de doenças curadas, mais um monte de conselhos dados e engradados de cerveja consumidos. “Mas nunca fumei!”, se orgulha.

Pinguço todo, não dispensa a companhia de seu braço direito: o enfermeiro e amigo Ninho. Mulato, franzino, a cara de assustado e o jeito afobado lhe são peculiares. Em tudo concorda com Julião. Seu nome correto poucos sabem. Também nem pergunte. “Só Ninho mesmo, ‘praquê’ mais?”, diz logo nervoso. Talvez carregue consigo um fardo. Um nome escabroso. No interior tem dessas coisas.

É, eles são do interior. De um município chamado Sátiro Dias, situado no Nordeste da Bahia, a uns 205 quilômetros da capital. Lá se passa a segunda parte da história. Ou melhor, numa estrada próxima a um povoado pertinho de lá. De nome sugestivo: Mimoso. Um lugarzinho (e bota ‘inho’ nisso) onde todos se conhecem, todos se veem todos os dias, todos vão à missa aos domingos, todos sabem de tudo uns dos outros.

Estamos no final da tarde de sábado. Enquanto o ‘doutô’ Julião termina de ‘encher a cara’ com o inseparável Ninho, três dezenas de bóias-frias amontoam tudo o que colheram em mais um cansativo dia de trabalho na roça. À beira da estrada entre o Mimoso e Sátiro Dias, um pau-de-arara os espera. Caminhãozinho velho, corroído pelo tempo. Verdadeira sucata, quem o vê parado nem imagina que é capaz de se mover. E vai levar todo mundo pra cidade.

Já é noite quando o doutor e o enfermeiro tomam o rumo de volta à terra de origem. Já é noite e os trabalhadores da roça seguem carregando o caminhão com sacos e mais sacos de tudo que é fruta e verdura. Falta pouco até que todos se cruzem.

Mais algumas horas e a velharia parte conduzindo bóias-frias e colheita. Na escuridão nada se vê. Os faróis estão danificados. A estrada é boa, mas o relevo é instável. Subidas, descidas, curvas acentuadas. Numa delas acontece o inesperado. Uma tragédia. Algo que se não tivesse ocorrido eu nem tinha começado com essa prosa toda.

O veículo chega ao meio da curva quando um animal atravessa a pista. O motorista tenta desviar. Até consegue, mas capota. O resultado não poderia ser diferente: pela via estreita os pobre-coitados vão caindo e rolando. Por entre eles é laranja prum lado, jaca pro outro...uma novela só.

O silêncio da madrugada é interrompido por gritos e mais gritos de socorro. Gritos altos e vazios. No meio do nada as esperanças de ajuda são poucas. Celular ninguém tem. É ‘coisa de barão’. E mesmo que tivesse, lá não pega. A cena é triste. Os homens tentam reanimar os feridos mais graves de alguma forma, as senhoras rezam com fervor, as crianças choram. Todos torcem por um milagre.

A meio quilômetro dali Julião e Ninho não veem a hora de chegar em casa. Rever amigos, familiares, contar como foi passar o dia na capital. Até então uma viagem tranqüila, sem maiores problemas. Por sorte nenhuma blitz. Não é tempo de ‘lei-seca’, mas do jeito que está é que não dá pra ficar (e muito menos pra dirigir).

- “Ô Ninho, que é aquilo ali? Acho que bebi demais e tô vendo coisa”, exclama Julião arregalando os olhos.

- “Eita doutô, tem um caminhão ‘virado’. É acidente! Para, para!”, se desespera o enfermeiro.

Julião então encosta o veículo e os dois vão prestar socorro.

- “E agora, é muito ferido pra pouco doutô!”, lamenta Ninho.

- “Ô Ninho, para de falar besteira e faz o seguinte: na direita do caminhão você põe quem ‘já foi’ e na esquerda os feridos. Bora organizar essa 'bodega' aqui pra salvar quem ainda tem chance”, exclama o doutor.

Uns pra lá, outros pra cá. Devagarzinho, com cuidado, tudo vai se ajeitando. A situação vai sendo controlada. Para alívio geral, um outro carro passa e o motorista se compromete em encaminhar uma ambulância assim que chegar a Sátiro.

Falta pouco, e eis que aí surge o inusitado.

- “Ninho, olha pra cá: num dá pra esse aqui mais não, leva pra direita que já vou socorrendo aquele”, aponta o médico dando as últimas orientações.

Certo do que está fazendo (afinal quem mandou foi o ‘doutô’), lá vai Ninho segurando firme a perna e arrastando mais um defunto, levando-o para o local indicado. “Ôxe, tem coisa errada aqui”, reflete ao perceber algo atípico em se tratanto de um falecido: o homem se mexe. “Ei rapaz, eu tô vivo! Ta me puxando pra onde?!”, diz agoniado – mesmo no chão, em estado de choque, ele havia escutado as orientações do médico. “Me leva pro outro lado ‘fi da pé’, num ta vendo que o doutô pode me ‘sarvar’”.

O rapaz esperneia, tenta explicar de todo jeito, quer apenas provar que está vivo, coitado. Mas Ninho é irredutível. O que está em jogo ali é a palavra de seu amigo, patrão e grande ídolo. Ele nem pensa duas vezes antes de contestar o ‘morto-vivo’: “E você quer saber mais que o doutô é 'homi'?!”.

Sátiro Dias é a terra natal de toda a familia de minha mãe, a dona Márcia. Essa história me foi contada pelo meu tio Marcelo Torres - grande jornalista que hoje mora em Brasília - quando estivemos juntos no início deste ano.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Futebolês virtual




Má é apenas mais um dos milhões de garotos brasileiros viciados em futebol virtual. Como muitos nessa turma toda, gosta mas não joga bem. Esforçado, pratica muito e ainda assim é ‘ruim demais’. Sem talento, não nasceu para a coisa. Quem assiste às suas partidas sempre torce por ele. Queira ou não é do ser humano pender para as minorias, defender (ou torcer para) os mais fracos.

Aos sábados e domingos é fácil encontrar Má jogando na casa de fulano de tal (o dono do videogame ou alguém que pegou emprestado). Nos dias ‘úteis’ ele também dá um jeito. Pintou um horário vago na escola, vai para a ‘locadora’. Se não pintou, mata a aula e vai do mesmo jeito. Faz tudo isso mas não é bom no jogo. Nem razoável, é ruim mesmo.

Não à toa Má sempre é o alvo das gozações. Jogar contra ele é o mesmo que ‘cumprir tabela’, ir lá ‘buscar os três pontos’. No futebol real seria inevitável escalar o time reserva se poupando para os jogos que interessam de verdade. Só há um único jeito de tornar o jogo contra Má interessante: entrar na disputa pra ver quem ‘ganha de mais’ (quem faz mais gols nele). De repente o saldo pode contar na hora do desempate.

Má é ‘freguês’ de todos. ‘Lanterninha’ continuamente. Sua alegria é jogar contra ‘o computador’ no nível mais fácil. Aí ele deita e rola.

Mas redenção mesmo vem quando a vitória é contra um dos ‘amigos-rivais’. De preferência contra aquele figura que cansa de ‘mangar de sua cara’ – porque sempre tem o que ganha e fica quieto e o que ganha e enche o saco. Aí Má também não perde a oportunidade de ‘tirar sua onda’. É hora de ‘perturbar’, ‘pirraçar’, ‘fazer pegar A’.

“Ah, a que vale é a última”, não cansa de dizer. Difícil mesmo é conseguir enfrentá-lo mais uma vez. Para Má se a que vale é a última, então que a última seja a última mesmo. Desculpas e mais desculpas antes de uma nova partida. Assim ele pode se vangloriar por um bom tempo sem arriscar um novo revés – que ele sabe que virá caso torne a jogar.

O grande problema (dos outros) é que para ter alguma chance nas partidas Má encontrou a solução: dar carrinho sem parar. “Pelo menos segura o jogo, arranca um empate”. Melhor que isso, “de repente até dá ‘uma cagada’ e faz um golzinho no contra-ataque”.

Desde então jogar contra Má é sinônimo de ‘barriação’. A partida começa e é carrinho de todo tipo. Pontapé inicial, carrinho. Bola pro alto, carrinho. Jogador adversário dominou a bola, carrinho. Bola em disputa, carrinho. Vai sofrer o gol, carrinho, empurrão, aperta tudo quanto é botão.

Se o outro ‘não se agüenta’ o jeito é xingar (geralmente a mãe) ou questionar a opção sexual (“Cê é ‘viado’ é Má?”) – mesmo ciente de que nada tem a ver uma coisa com a outra. Se a raiva acumula e os carrinhos não param ‘lá vem bronca’. É ‘controle’ no chão, frases de baixo calão (“Vou ‘resetar’ essa porra!”) e mais todo tipo de agressão (vide vídeo).

Existem muitos ‘Más’ por aí. Não tenho dúvidas de que todos que jogam ou já jogaram (quem nunca jogou?) videogame conhecem um. Esse vídeo me fez lembrar ao menos uns três amigos que se enquadrariam facilmente no perfil do nosso herói. Não vou citar nomes...

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Um tal de Zé pintor















Há meses a residência está lá. Imponente, na esquina, todos a veem. Um senhor investimento para os padrões dali. O dono ninguém viu, ninguém vê, não se sabe quem é. Mas também não importa. Já está pronta, tudo em cima. Paredes, laje, telhado, portas, janelas. Mas peraí, falta uma coisa: não tem cor. Fizeram, mas não pintaram.

Passa o tempo, o tempo passa e eis que da noite pro dia surge a solução: liga pro ‘seu’ Zé, o pintor. “Pinturas predial, residencial”, o cabra é bom!

Na vizinhança o bochicho logo se espalha. Não se fala em outra coisa. Quem foi ali e ‘pintô’? Para uns uma piada, para outros uma inovadora investida mercadológica. Afinal, o Zé existe? Seria ele um gaiato ou um gênio?

A desconfiança impera. Todos querem saber do autor. Olhares suspeitos de uns para os outros. À cena do crime dizem que o criminoso sempre retorna. Ainda assim não tem como descobrir. Por incrível que pareça não há 'Josés' no bairro. Também se fosse o caso já iria ‘dar na cara’ – ou levantar uma falsa suspeita. Ligar é arriscado. Pode ser armada, trote, brincadeira de mau gosto. Uma coisa é certa: as evidências são poucas e de pouco valor.

Eis uma delas: seu forte não é o português. No residencial cravou um ‘zê’, antes de suscitar uma certa dúvida após o segundo ‘é’. No desespero fez de qualquer jeito: vai o ‘cê’ por cima do ‘êne’ (ou ‘ême’?) e ta tudo certo. No improviso, na pressa, mas foi. Ta passada a mensagem. Se a idéia foi causar polêmica, conseguiu...

Tirei esta foto há algum tempo, de passagem numa certa rua do bairro Ponto Novo. Vi a cena e não resisti. Provavelmente hoje a casa já está até pintada, só não sei se pelas mãos do tal do Zé. Aliás, ainda não sei se o dito cujo existe. Ah! Quer saber, alguém liga aí e vê se chama...